terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Educação sexual: “professor não é psicólogo”

31.8.2001
Educação sexual: “professor não é psicólogo”
Ebenezer de Menezes, da Agência EducaBrasil
A socióloga Sylvia Cavasin entende que o professor não deve atender casos pessoais no contexto da educação sexual. Ela defende uma separação entre atividade pedagógica e terapia. Junto com outros integrantes da organização Ecos (Estudos e Comunicação em Sexualidade e Reprodução Humana), onde atua como pesquisadora e diretora de projetos, concebeu Sexualidade, prazer em conhecer, uma série de 20 programas televisivos, que estão sendo exibidos no Canal Futura desde o último dia 20 de agosto. O programa, que foi desenvolvido pela Schering do Brasil em parceria com a Fundação Roberto Marinho, visa abordar e discutir, a partir dos próprios jovens, dúvidas, preconceitos e as formas de proteção contra as doenças sexualmente transmissíveis e a Aids, além de estimular uma maior eqüidade nas relações entre homens e mulheres.
Nesta entrevista, sobre a sexualidade no contexto escolar, Sylvia Cavasin fala de algumas ciladas em sala de aula e alerta sobre preconceitos mantidos por pais e professores, que podem prejudicar diretamente o processo educativo.
A escola brasileira está preparada para lidar com a sexualidade dos jovens?
Sylvia Cavasin — A escola brasileira progrediu muito nesse sentido. Temos um demarcador de águas: antes e depois da epidemia da Aids. Depois da epidemia tivemos uma sensibilização social, tanto das famílias quanto das escolas, para começar a tratar da sexualidade no contexto educativo. Fizemos uma pesquisa, acho que em 1994, em que foram consultadas famílias de algumas capitais brasileiras sobre a importância de se introduzir a educação sexual na escola. A maioria dos pais considerou importante tratar do tema no ambiente escolar. Eles diziam: “eu não consigo tratar desses assuntos na minha casa; tenho dificuldades, por minha história de vida, porque não falei na minha juventude...”. Então, os pais legitimam essa atividade dentro da escola, embora muitos achem que falar desse assunto pode inclusive estimular crianças e adolescentes a começarem a pensar em sexo. As escolas também, em sua maioria, não foram preparadas para assumir a educação sexual dentro de suas disciplinas: foram tomadas de surpresa para tratar de sexualidade e muitas escolas não colocam o assunto como prioridade, embora o tema seja considerado importante e urgente entre especialistas, educadores e pais.
Do ponto de vista das demandas, o que os educadores mais apresentam como problema sobre a sexualidade?
Sylvia Cavasin — Quando propomos um trabalho dentro da escola, conversamos com a direção e identificamos alguém disposto a falar sobre o assunto ou que já tenha começado algum trabalho sobre o tema. Não dá para começar sem um mínimo de interesse. Caso contrário, não funciona. Esse é um critério para funcionar. Quando passamos textos, vídeos e outros materiais de apoio, o professor pergunta: “Como é que eu vou trabalhar com isso?” Então, a questão metodológica vem em primeiro lugar. E aí entramos com uma experiência de 12 anos, dizendo: “Primeiro, vamos ouvir as demandas dos alunos e depois encaixá-las dentro de um programa de educação sexual”.
Tendo os PCNs como referência, que orientação daria aos professores que estão com dificuldades, que têm, por exemplo, um aluno na frente fazendo algumas perguntas sobre sexo?
Sylvia Cavasin — Primeira coisa, se o professor tiver um aluno questionando e ele não souber responder, por favor: não responda. É preferível que ele passe essa responsabilidade para quem já tem alguma reflexão ou desenvolveu algum raciocínio sobre a questão. Caso contrário, vai responder alguma coisa preconceituosa. Ele não é psicólogo.
Qual o erro mais freqüente entre os professores quando tratam da sexualidade?
Sylvia Cavasin — Toda vez que começamos um trabalho de educação sexual é necessário que se faça um contrato com a sala de aula: “o que for trabalhado aqui dentro desse contexto vai ficar entre a gente; tudo que conversarmos ficará entre nós”. Isso é importante porque, na adolescência, é inevitável sair falando... Segunda coisa: “não existe a possibilidade de trabalhar com histórias pessoais”. O que vamos trabalhar em sala de aula, no contexto da educação sexual, são exemplos da vida, histórias que acontecem na cultura de nosso país, situações vividas pelas pessoas. Não se identifica casos dentro da sala de aula. A pessoa, quando não tem o preparo adequado, cai nessa cilada. Então, a classe começa a discutir a vida pessoal do aluno, mas isso não tem nada a ver com um trabalho no contexto escolar. É uma cilada complicada e freqüente entre os professores. É preciso fazer uma separação muito clara entre o que é uma atividade educativa e o que é uma terapia. Professor não é psicólogo. Esse é um lema que levamos desde os primeiros dias de treinamentos. O professor não está na escola para atender casos pessoais, mas para falar da sexualidade em termos da cultura, dos costumes e da história, e discutir casos não focalizados em cima da classe.
Qual a maior barreira que a escola enfrenta na conscientização dos jovens, com relação ao uso de camisinha, de anticoncepcionais, para um trabalho de formação?
Sylvia Cavasin — Tem várias coisas. Primeiro, o tema não é fácil historicamente. Existe muito preconceito sobre falar de sexo e mais ainda quando associado à adolescência. A vida sexual na adolescência está muito moldada pelos padrões da visão do adulto. Os adultos suportam que os adolescente tenham uma vida sexual ativa, mas não é uma coisa muito bem resolvida. A adolescência é época de formação, de experimentação, mas não é época de atividade de sexual. É uma contradição pois, ao mesmo tempo que está despertando o corpo, a sociedade reprime. Existe ainda muito preconceito em cima da sexualidade ativa na adolescência. A principal preocupação, tanto de pais como de professores quando se fala em educação sexual, é se vai despertar, se vai estimular...
Qual a sua opinião sobre essa questão? Educação sexual desperta e estimula de fato ou isso é um grande engano?
Sylvia Cavasin — Acho que não tem nada a ver essa história de que vai despertar ou não. Adolescente vai ter oportunidade ou não de estar transando, cedo ou mais tarde. Ele vai estar pronto na hora que o corpo e a cabeça der o sinal. Então, se ele não estiver a fim, não transa. Também temos situações em que o menino e a menina estão muito a fim e não conseguem. Portanto, não é só esse lado de estar transando mais cedo. Tem gente que está adiando e chega aos 19 anos e diz: “o meu problema é que eu ainda não transei”. Então, existe o outro lado, mas só é divulgado o lado dos que começam antes. O momento que vão transar não dá para padronizar. Existe a forçada de barra? Existe. Mas isso existia no tempo de nossas avós também: “quero uma prova de amor”. Então, é aí que a gente entra: “olha, o legal é os dois estarem a fim; o legal é ir com quem você gosta, não porque ele está forçando a barra”. Neste caso, já entrou a informação e a negociação. É uma falácia imaginar: “todo mundo está transando e eu também vou”. Não é bem assim que funciona. Então, penso que a educação sexual não vai adiantar ou estimular. Pelo contrário, o adolescente tem mais chance de pegar informações, refletir e decidir a hora que ele quer. Acredito que a informação com a reflexão, que passa significado, possa ajudá-lo a decidir a melhor hora.
Com relação as campanhas, os jovens estão mais conscientes ou não?
Sylvia Cavasin — Acho que as campanhas têm um grande efeito, um grande impacto, mas isso não significa tomar um atitude segura ou não. Vemos a campanha da Aids que aparece com freqüência na mídia, mas eu fico boba. Às vezes, vou conversar com grupos que atendem adolescentes e a história da Aids, da camisinha, da proteção passa muito longe. Ou seja, essa história ainda não é uma realidade na vida de certos grupos. Acho que faz sentido nas escolas de classe média, onde existe educação sexual. Mas existem outros grupos que estão fora da instituição.

Acesso: 26/02
http://www.educabrasil.com.br/eb/exe/texto.asp?id=456
 

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